Resumindo: o que achaste?

quarta-feira, abril 14, 2010

É só um jogo.


O silêncio era interrompido pelos carros a passar lentamente, cautelosamente, sem perturbar os restos da chuva carbonizada pelo egoísmo e desenvolvimento (do mesmo) humano. O mau tempo, a lama e os sobretudos cinzentos prolongavam-se desde a semana passada, e esta tarde não ousara em ser diferente. A chuva passara por instantes, as nuvens graves e preguiçosas não faziam o favor de se moverem, permanecia a certeza de que iria voltar a chover, os sobretudos, chapéus, mau humor, a lama, o peso do ar e a melancolia voltariam com ela.
A sala era pequena, não caberiam ali mais de quinze pessoas, e se as mesmas aí coubessem isso custaria muitos empurrões, brutalidades e palavras agradáveis. Um candeeiro de luz mansa e escura que lembrava a luz do fogo, mas numa versão mais fria e desconfortável iluminava, desfavorecendo as paredes pintadas de castanho-avermelhado. Há oito metros da entrada encontrava-se então a janela aberta da qual nascia o vento e o som quieto dos carros, estes embatiam nos cortinados de veludo que mais uma vez não fugiam do quadro geral, emitindo um forte amarelo. Um bocado mais perto, no canto, a televisão estava ligada num programinha comercial, onde as personagens moviam-se e falavam, não emitindo nenhum som que perturbasse o cansaço da sala.
Nos sofás frios e beges que se mantinham nos lados opostos da sala, estavam sentados eles: ela, sentada no meio do sofá, com pernas cruzadas, segurando na ponta do dedo indicador e do dedo do meio um cigarro aceso, olhando fixamente para ele com um olhar presente, imperturbável, carinhoso mas paradoxalmente frio, indiferente, paciente e controlado; os seus cabelos de trigo despenteados pela humidade pousavam delicadamente sob os seus ombros cobertos por uma camisola azul, o que a punha em contraste com tudo o que a rodeava entre as quatro paredes castanhas. Vestira-se assim propositadamente, lembrando-se do fogo que a sala: o ar, a luz, as paredes emancipavam. A sua boca aspirava a nicotina, e em simultâneo os seus olhos chamavam-no, pediam que ele, sentado na ponta do seu sofá enlaçando o queixo com a sua mão morena, olhasse para ela com olhos de quem vê e percebe, de quem não vive nas nuvens, de quem sabe que princesas puras não existem, de quem sabe que tudo é um jogo. Ela – sentada, o olhar táctico, os movimentos pensados e o cigarro simbólico gritavam “Tu és este cigarro, porra! A cada passa que dou tiro o que preciso, quero e o que me apetece. E a cada passa que dou menos sinto o teu efeito.” E dando a última passa rematou:
- E eis que acabaste. - Lentamente, a loira libertou o fumo por entre lábios finos, deitou fora o que restava do cigarro, nunca tirando os olhos dele, e ele, perturbado e nervoso não conseguia perceber o que queria dizer ela ao concreto.
- Queres mais um cigarro? – Percebia ele que a fuga dela não tardaria, tremendo mas não baixando os olhos, acusando.
Ela levantou-se, e, dando-lhe um leve beijo, fechou a porta atrás de si. É só um jogo para ela: solitária, fora de todos eles e nunca pertenceu a nenhum, necessária e desnecessária ao mesmo tempo. Sempre silenciosa, talvez porque não tinha palavras, ou talvez porque não ache que haja algum sentido em responder.

Dedicado ao Q. Parabéns @ <3

segunda-feira, abril 12, 2010

in "7 Dias" (mine)


Visto de cima tudo parece muito pequeno. Não vemos os pormenores, nem as sensibilidades, mas sentimos o sangue a ferver porque somos maiores que os carros, as casinhas, os prédios e até as torres. O nosso olhar abrange quilómetros irreais. E aqui estou eu, imaginem, no avião para Milão. Sabem aqueles dias em que só nos apetece matar os nossos irmãos mais velhos? Bem, hoje é um dia destes, sem dúvida. Vou para um país praticamente desconhecido, com os meus papás, ter com a minha tia histérica e o meu tio com quem por razões de linguagem não falo e adivinhem por culpa de quem? Aposto que conseguiram chegar lá. Claro, por culpa do meu irmão que não queria ficar comigo, como se precisasse de me mudar as fraldas a cada dez minutos e dar me de mamar. Parece que a única pessoa que se apercebe que dezasseis anos é uma idade respeitável, sou eu. Não, não pensem que sou uma daquelas raparigas que nunca faz nada de mal ou então que sou uma daquelas raparigas que se acha muito grande. É claro que é engraçado sentirmo-nos maiores do que somos. Em todos os casos, mesmo que nos sintamos mais velhos do que na realidade, mas acho que passei esta fase. Antes queria ser mais velha, mas à medida que vou crescendo, quero ficar mais nova. Crescer é difícil e de certa forma doloroso. Mais pessoas nos abandonam, mais reparamos nas mudanças. Tudo se vai ou fica, cada vez é mais difícil ignorar as coisas, na forma como somos moldados pela sociedade… Mas não quero ser moldada, quero viver e ser o que, e de acordo com o que a minha consciência me permite e talvez o consiga se mo permitirem.
Portanto vou para Milão, supostamente chegarei lá por volta das 16 horas, vou almoçar em casa da minha tia e do marido dela e depois partimos todos para a casa deles numa montanha, que desculpem a falta de informação, não sei onde se encontra nem como se chama.
Pensando melhor, talvez até seja engraçado passar uns dias longe de tudo e de todos. Fazer uma reflexão sobre o ano passado, as falhas que eu cometi e que ignorei. Sinto que este ano andei demasiado stressada com as aulas, os trabalhos, os portefólios, os testes, enfim, tudo o que contava para avaliação, para prestar atenção aos meus amigos. Sinto que afastei-me de tudo e de todos. Mas os meus amigos hão de me perdoar, basta mudar um bocado de atitudes: parar de me sentir como se estivesse constantemente numa guerra, onde a sala é o campo de batalha, as secretárias são as trincheiras ou os tanques – o único sítio onde me sinto segura, onde eu sou um pobre camponês russo e respectivamente as professoras – os nacionalistas alemães, consequentemente as suas teorias (principalmente as da “stôra” de filosofia) são tão ridículas como a historinha sobre os arianos.

É a parte em que vocês pensam “Esta rapariga só quer é não fazer nada”. Ora bem, gosto de aprender, história para mim é como a luz que dissipa o escuro do passado; gosto de Inglês, é uma língua bela e prática. Mas os testes e trabalhos todos geram um total caos na minha cabeça. Sempre a olhar para a minha agenda, sempre a tentar arranjar informação importante, sempre a tentar ser melhor e enfim, sempre a tentar provar que valho muito.
Mas de resto, ser adolescente é proveitoso. Loucura sempre a rondar-nos, os olhos abrem-se, as lentes cor-de-rosas esvoaçam. Mas mesmo assim acreditamos que nada de mal nos irá acontecer e que nada porá em risco a nossa sanidade e a diferença que há em nós. Nada destruirá os nossos sonhos e os nossos desejos. Não é?


[nota: apesar de este ser o primeiro capítulo para uma história minha (mais uma das que comecei mas não acabei "ainda"), este texto contem 97% de informação verídica]