Resumindo: o que achaste?

terça-feira, março 30, 2010

Bom dia!

Tudo estava escuro, conseguia sentir o vazio com cada milímetro do meu corpo. Agora, o que restava dele era este vazio. Este vazio que não conseguia esquecer nem preencher. Continuava a ver tudo claramente… O campo, cada erva esmagada pelos nossos pés, cada pedrinha que resistira aos nossos corpos, cada flor que outrora fora passada pela minha pele, todas elas estavam murchas. E eu estava a murchar com elas. Via todos os pequenos e castanhos olhos dos pardais, a olharem para mim, com que apoiando-me com o seu olhar “É o melhor a fazer. Tens que seguir em frente”. É melhor?! O meu coração batia, no entanto eu sentia que já não estava viva. Não sentia o fogo dentro de mim, e muito menos os tremores de nervosismo que sentira quando o batimento do meu coração não era apenas físico.
Abri os olhos. Estava de volta ao meu pequeno quarto. E pela primeira vez em tanto tempo não estava arrependida em acordar. Peguei no maço de cigarros “Black Devil” da minha gaveta da secretária e tirei um. Abri a janela e o frio que senti abraçou-me com que dando os parabéns por estar de volta ao meu mundo. Acendi o cigarro e senti o fumo doce dentro da minha boca. Não bastava, nem perto. Dei a maior passa que conseguia dar, a espera que o fumo fosse a cura de tudo o que sentia e não conseguia fazer voltar e de seguida os meus pulmões rebentaram, desatei a tossir. Parecia que todos os órgãos iam fazer um passeio cá para fora. A porta abriu. No entanto consegui mandar o cigarro para fora da janela. Sorri para dentro de mim. Amanhã a vizinha de baixo vai-se queixar outra vez dos cigarros e da roupa estendida suja. Era a minha mãe, com os olhos entreabertos e o cabelo escuro cuidadosamente apanhado num rabo-de-cavalo.
-Ash, são 4 de manhã! O quê que estas a fazer sentada na janela? Vai dormir. – disse ela sem sequer suspeitar do cigarro, nem suspeitar do facto de jamais conseguir adormecer. O vazio estava demasiado presente.
- Sim, sim mãe. Tive só um pesadelo, já vou dormir. – sorri. Quando ela voltou ao seu quarto, tirei mais um cigarro do maço. Será uma longa noite.

segunda-feira, março 29, 2010

Curta Memória Que Me Queimava

Virou mais uma página, que já foi branca, mas que agora é amarela, de tantas pessoas que já tocaram nela, já pousaram olhos no seu conteúdo, suavemente formando imagens a partir das palavras. Ela estava deitada, debaixo dum cobertor branco de uma textura macia, com as almofadas postas quase na vertical, deixando assim o corpo dela inclinado, de maneira que conseguia visualizar bem o que estava escrito no velho livro. Ela pensava em como é magnífico e quase mágico o que ela consegue fazer, de letras fazer palavras, de palavras frases, das frases ela retirava a sua percepção construindo pouco a pouco uma história pormenorizada na sua cabeça. Ela estava profundamente grata a natureza por ter nascido com uma enorme paixão pela leitura, pelo enorme e pouco explorado universo, o universo onde não há limites nem restrições. No entanto naquela noite quieta e silenciosa, ela não se conseguia concentrar nas páginas duma grande obra dum clássico russo, Tolstoi, o seu cérebro involuntariamente formava uma imagem dum rapaz de cerca de 176 cm, uns quantos centímetros mais alto que ela, a medida que ela não se sentia desprotegida, cabelo escuro como o seu, curto que brilhava ao pôr-do-sol, os seus olhos castanhos, muito brilhantes, que por alguma razão não a deixavam desviar o seu olhar. Este rapaz, vestido de calças pretas e uma t-shirt preta, sorriu para ela e disse “Olá”. A voz dele, talvez um bocado agressiva e normal para os outros, levou-a a um outro mundo, tudo a sua volta começou a brilhar, tal como os olhos do rapaz, ela sentiu o calor e um leve arrepio a descer pela sua espinal medula, alastrando se para todos os lados como uma luz. Para ela este rapaz não era normal, nem simples, nem diferente, não era nem especial, nem magnífico, nem mau. Era simplesmente necessário. Era como água, nem que não tivesse de todo um sabor, não deixaria de ser algo que a mantinha viva.